sábado, 29 de dezembro de 2012

Adoração Eucaristica

A adoração eucarística é, antes de mais, a manifestação da nossa fé na presença real e pessoal de Cristo nas espécies eucarísticas. Esta fé recebemo-la dos Apóstolos: «Não é o cálice de bênção que abençoamos a comunhão com o Sangue de Cristo? Não é o pão que partimos a comunhão com o Corpo de Cristo?» (1Co. 10, 16-17). A presença real de Cristo na Eucaristia é a expressão mais completa daquilo que Cristo é na totalidade do Seu mistério: Deus connosco, Deus ao nosso alcance a propor intimidade na proximidade dessa presença. Nessa proximidade, Ele é Deus, exprime-Se na Palavra que nos toca o coração, no amor que nos atrai e nos transforma, na força que nos permite vencer dificuldades e ousar viver de modo a sermos semelhantes a Jesus. A adoração eucarística é o mais forte convívio com a divindade. Aí sentimos que Deus é Deus para nós e nós somos d’Ele, somos suas criaturas e seus Filhos. Adorar é reconhecer Deus no que Ele é, na transcendência do Seu mistério, e aceitarmo-nos na nossa pequenez e fragilidade, sentindo que a nossa grandeza nos vem de Jesus Cristo e que só n’Ele venceremos o nosso pecado. As expressões tradicionais da adoração, que envolvem todo o nosso ser, corpo e espírito, exprimem essa verdade de Deus perante nós e de nós perante Deus: a prostração, o dobrar os joelhos, o abandono de todo o nosso ser à majestade de Deus.

Nesse abandono confiante, reconhecemos nessa presença real a exclusividade do nosso Deus, como único Deus verdadeiro. Já no Êxodo Deus disse a Moisés: «Eu Sou Yahwé, o teu Deus, que te fez sair da terra do Egipto (…). Não terás outros deuses (…), não te prostrarás diante de imagens» (Ex. 20,1-5). Prostrados ou de joelhos só diante do verdadeiro Deus, que nós reconhecemos em Jesus Cristo.

 Só adora quem tem fé viva, quem fez a experiência da salvação e reconhece em Deus o seu Salvador. Ouvíamo-lo há pouco no livro do Deuteronómio: «Recorda-te de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer…» (Dt. 8,2-3). Assim abandonados diante da presença do Deus vivo, relembramos em silêncio a nossa história de misericórdia e de graça, o que aumenta em nós a confiança em que o Senhor continuará a acompanhar-nos nos caminhos da nossa vida até O vermos face a face.

Mas a adoração eucarística é também momento da manifestação de Deus. Já aconteceu assim com Moisés, no Monte Sinai: «Ele invocou o nome de Yahwé. O Senhor passou em frente dele e exclamou: o Senhor, Deus de ternura e de piedade, lento na cólera, rico em graça e fidelidade (…). Moisés caiu de joelhos em terra e prostrou-se» (Ex. 34, 6-8). É semelhante a reacção de Pedro no Tabor: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias» (Mc. 9, 4). Quantos cristãos fizeram experiência semelhante adorando a Eucaristia: deixarem-se envolver pela presença amorosa de Deus e não desejarem afastar-se dali. A Eucaristia afirma-se, nesses momentos, como a antecâmara da eternidade.

Na adoração, a Eucaristia continua a ser o nosso alimento e prolonga aquela união misteriosa com Cristo ao comungarmos o Seu corpo e sangue. Também aí são verdadeiras as palavras de Jesus: «Eu Sou o pão vivo descido do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente» (Jo. 6, 51). «Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem a vida eterna e Eu o ressuscitarei no último dia» (Jo. 6, 54). É por isso que, na espiritualidade da Igreja, a comunhão sacramental se prolonga espontaneamente num tempo de adoração silenciosa. Adorar Cristo na Eucaristia é, realmente, continuar a recebê-l’O como alimento e como experiência de eternidade.

Foi nesse sagrado convívio que, ao longo dos séculos, homens e mulheres se deixaram incendiar pelo amor, foram devorados pelo zelo e pela urgência da missão, consagraram a totalidade do seu ser a Cristo e ao Reino, perceberam a exigência da caridade. A Eucaristia conduz sempre aqueles que a adoram às atitudes fundamentais da conversão cristã: escutar a Palavra, ouvir o que o Senhor nos quer dizer, deixar-se amar por Ele, tantas vezes na obscuridade silenciosa da fé; partir para a vida, amando como Cristo nos ama; dar a vida pela implantação do Reino de Deus; e em tudo isso a avivar a chama da esperança na vida eterna. A Eucaristia ensina a viver e ajuda a morrer.

 A adoração eucarística é atitude profundamente pessoal, mas tem sempre dimensão comunitária. Talvez mais do que em qualquer outra circunstância, é a pessoa concreta, no concreto da sua vida, cujo íntimo só Deus conhece, que está diante do Senhor. A dimensão comunitária não significa, nem exige, que se faça da adoração uma oração comunitária. Esta dimensão exprime-se, sobretudo, no facto de a pessoa que adora sentir e saber que nela é a Igreja que adora, que ela adora, por aqueles que não adoram. A pedagogia pastoral da adoração deve valorizar o silêncio, até que a pessoa entre, através da oração, no silêncio de Deus, que não é ausência, mas presença devoradora. O silêncio de Deus está repleto de vida. Todos os meios que pastoralmente se proporcionarem, devem apenas propiciar elementos para ajudar cada um a ser pessoal, individual, como o Tu de Jesus Cristo.

 Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja pode estar sempre presente na nossa adoração, não contrapondo ao encontro com Jesus Cristo a nossa devoção a Maria, mas porque ela foi e continua a ser a grande adoradora. Os seus silêncios, com que guardava tudo no seu coração, guardam também esse seu segredo: a sua experiência de adoração. Quando O trouxe no seu seio, sobretudo naqueles meses em que ninguém sabia, só ela e Deus; quando O contemplou em Belém, como qualquer mãe contempla embevecida o seu Filho recém-nascido; no Calvário, ao mergulhar confiante no drama da redenção; quando, reunida com os Apóstolos, esperou a vinda do Espírito Santo; e elevada à Glória, continua a adorá-l’O, a Ele que é o seu Filho, por Quem também ela foi até ao Pai. Maria adora sempre, adora de uma maneira perfeita, está sempre com quem adora, devemos orar sempre com ela.

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